27.1.07

Alzheimer

I prefer your knee, let go the  camera and  give me  affection

foto: madalena pestana



aos amigos que me sobrarem:


Se um dia o tio Alzheimer me levar as tais memórias que eu não queria, ao criar este blog, tragam-me aqui. Ao tempo que isso parece ter sido!

Mas não foi.

O que sofri há-de bastar para relembrar. Eu não quero ficar aprisionada, como a uma cadeira de rodas, à mentira que me contarem então, para me agradar.

É que eu já não quero esquecer.

Já não. E nunca mais!

23.7.05

encerrando um blog incipiente com um Verdadeiro Poeta




"The last house..."


The last house of this village stands
as alone as if it were the last house in the world.

The road, that the little village cannot hold,
moves on slowly out into the night.

The little village is but a place of transition,
expectant and afraid, between two vast distances,
a passageway along houses instead of a bridge.

And those who leave the village may wander
a long time, and many may die perhaps
along the way.


Rainer Maria Rilke
from The Book of Hours
(tr. Cliff Crego)

12.7.05

A escada - (ao meu Irmão)


foto de Ognid in Catedral



escada impossível.


parece e assim a nomearam

quem nomeia é autor

uma espécie de deus

que a tudo dá o nome e a luz e a cor.




e no entanto

eu já subi por uma escada assim

toda quebrada

subi-a com o peso de quem desce

ao inferno.


carregada de mim

de tudo o que perdera

de tudo o que temia

do próprio desamor que então

me acometia.



subi como quem desce

a impossível escada

e ela não quebrou

nem eu quebrei, nem nada.


lá em cima no topo

brilhava a luz do dia

cá em baixo, do chão sem risco

espiava a hipocrizia



- o tudo que eu não queria.


bendita escada! abençoado dia!

3.7.05

Ardo-Gelo


Existence-Fire-Ice by Johanna Boga


vivo entre o fogo e o gelo desde sempre

não conheço já outra forma de estar

não há meio pra mim nem sei aonde

o devo se é que devo, procurar.



entre o fogo e o gelo amei pari

fui criança rapariga e envelheci

hoje de tudo sei, mas já é tarde

gela-se a vida
quando tudo arde.

27.6.05

amores


in



a noite tinha sido anunciada

vestiu-se de suavidade e de veludo

forrou-se de uma espera angustiada



por fim o frio da noite ficou mudo

ao espanto da ausência já notada

ninguém viera pois pelo caminho



buscar aquela flor ali pousada

misto de colombina sem entrudo

e de mulher amante sem carinho.

6.6.05


como as pedras arredondando memorizam

o murmúrio da água que rolou

assim me dobro sobre mim eternizando

o sonho que em mim nasceu e se formou.

4.6.05


thanks to


palavras cercam poetas ainda bem que o não sou

umas pesam como pedras que é preciso carregar

outras saltitam em volta quais crianças atrevidas

impondo-se de tal forma que é urgente brincar.

há ainda as que são aves e lhes mexem nos cabelos

e os pobres dos poetas acabam por se elevar

cercados de cantos, penas, num descoordenado voo.


ainda bem, não sou poeta fico daqui a olhar.


3.6.05



estendo os braços que vazio!

não encontro a tua mão

apenas ar o ar é frio

faço uma festa a um cão

que me segue é cão vadio

tão carinhoso e macio

como era tua ilusão.




guardo a mão apresso o passo

fujo da minha memória.

fecho-me em mim, que cansaço!

sim, livrei-me do teu laço

mas não me sabe a vitória.

2.6.05


La persistance de la mémoire - Dali 1931



a memória persiste ácida e intensa

nos momentos menos sãos menos propícios

a perder-se a gente na argamassa imensa

de sentires passados em suplícios



raios partam a memória! não cansei

de dizê-lo desde que o senti

que exististe, árduo amor, eu sei

deixa agora fingir que te esqueci.

1.6.05


trigal- Javier Lorente



ondulantes trigais, adolescente

fim de estação, primeira chuva cai

aroma intenso que da terra sai

erótica experiência o corpo sente




que fazer ao desejo imperioso

que lhe corre já no sangue quente?

31.5.05

like them


in


pega na força que ainda tens

deixa o cinismo de querer ser feliz

usa a sabedoria que há nas mães

não tenhas medo e DIZ!

o susto


Mlha



faltava-me um amigo. não o tinha
de há muito tempo estava habituada
aprende-se a viver sozinha
na neblina húmida do nada.

subitamente olhando me faltou
a brisa fresca que sempre soprava
- que é da frescura que me abandonou?
era a árvore amiga que não estava.

só quando com o olhar de novo a encontrou
entendeu o mistério de gostar
não importa quão longe se ficou
é só preciso estar.

a J.A.R. porque foi verdade :)

30.5.05


The kiss

o vulcão ao explodir foi o culpado

petrificámos rochas separadas

há entre nós um beijo e sabe a sal.

28.5.05



Thanks to Shan Goshorn



Criei silêncio agora. Soube bem

O peso do ruído foi-se embora

Fiquei mais próxima da terra mãe

27.5.05

merci à


não tenho a mala pronta para partir tenho as memórias ainda por dobrar. será que cabe tudo? e no caminho o que mais irá pesar?

pastoreando os olhos pelas caminhos há estradas que nos levam para longes que muitas vezes sonhámos se sozinhos.

mas dobrar e arrumar os passados bons e maus tirá-los do regaço para os por num canto da mala dá cansaço.

não tenho a mala pronta para partir mas sei que tenho algures onde chegar é pois a exacta hora de seguir na incessante busca de encontrar.

24.5.05


thanks to


não, não me despertem

até que as mãos reais de uma criança

me passem os dedos suaves no cabelo.

23.5.05


The Truth and The Lie, 2002-Timur Tsaku


não me dêem verdades tranformadas
fosse eu dada a mentir sabia bem
como criar belas e adocicadas
verdades que não servem a ninguém.

vivam a realidade que escolherem
não me peçam depois é que lamente
que no inevitável fim se desmoronem
as recortadas verdades de quem mente.

a verdade é o que é, e há o seu contrário
quem não lhe paga o preço às vezes caro
que siga e assuma pois o seu calvário

- e se deus ao cobrar se torna avaro?

19.5.05


in


plantei-me olhando o mar há tempo tanto

ganhei raizes abaixo da calçada

apontei para o céu de desencanto

que era feito de mim? não era nada!



mas é primavera em todo o canto

quiseram-me a morte e eu não morri.

da dor maior já se secou o pranto

quando morrer, amor, corro para ti.



mas lá fora 'inda há dos melros o canto

e se me amaste é sinal que vivi

do que os outros dizem não me espanto

sempre assim foi desde que me nasci.






Empty Lap ">By Julia Seton

dói tanto um poema por nascer
ou morto e frio

como um colo de mãe
se está vazio.

13.5.05


thanks to


hoje não seria dia de palavras

seria tempo santo de rezar

ah, se eu fosse a pastora!

mesmo andando nas lavras

nos carreiros de pedras

pés molhados e fome muitas vezes

se a visse, a tal Senhora,

como não iria acreditar?

11.5.05


">Embracing Black Dog- Suzanne Cheryl Gardner



estirei-me no sofá cansada e triste

o peito mal mechia ao respirar

- se a dor é a maior que existe

para quê então continuar?



não meditava, era letargia

tudo parecia no certo lugar

até a forte dor já se esbatia

também queria acabar.



mas foi então que a curva do meu braço

se preencheu de volume e calor

era mais do que qualquer abraço



a cadela lambia a minha mão

chamava, tão insistentemente

que assim renasci, por puro amor.

9.5.05


dying love - thanks to




amei muito. fui amada.

antes não tivesse sido.

porque ora, a vida parada


onde espero acocorada

numa espera sem sentido

hoje é vida esvaziada



sou um farrapo perdido

da bela manta cuidada

que me cobria a jornada.

tinha filho amante ou amigo

agora não tenho nada.



pego a adaga mato o amor

de um só golpe seco frio

decepo-o não fica ferido.

prefiro um amor matado

a este meu amor morrido.


4.5.05


LIGTH#3(desert) - MIGUEL CIFUENTES

partir, partir de vez com um Destino novo

não o que inda me condena a este não-viver

envelhecido o corpo na alma me renovo

na luz do meu deserto revejo o areal

onde amava aves e flores, coisas boas do Ser.

parto sem peso de amores na mochila

não amo ou sou amada. antes assim.

não tenho de alcançar aquela ou qualquer vila.

- Louca - me chamam e eu continuo. Livre, até ao Fim.

3.5.05


não só no mármore do meu corpo és tatuado

em toda a minha vida tu ficaste como veludo negro

que cobrisse a vergonha que há em mim de ter ficado

num recanto da vida acocorada. mas obrigada fui.

não por vontade me mantenho ainda ausente do teu lado,

outro lado de mim, rosa negra do amor, mais desgraçado.

22.4.05


entreaberta a porta


a memória sem convite


invade o espaço livre


guardado para os sonhos


ainda por viver.


eu que a julgava morta...



corro a fechá-la à chave


não a volto a abrir


raios partam a porta


e a memória!



quero os sonhos à solta


nesta terra magoada


mas revolta


onde só esperam


tempo para florir.


19.4.05

PIC-NIC





Lovers, Lying- by Oggetti.




um cigarro aceso

o fumo no ar

a mão descaída

presos no olhar

dedos que se tocam

de trémulas mãos

não são inimigos

e não são irmãos


-instintos antigos

correm-nos nas veias

deitado a meu lado

rastejas enleias

que faz o teu rosto

junto dos meus pés?

(suspiro anseio:

sobe de uma vez!)

o corpo que freme

deitado no chão

sinto a tua pele

sinto a tua mão

e paras a boca

no meio de mim

lábios entreabertos

olhos já fechados

entrego-me assim.


ai, esvai-se-me a vida

por onde começa!

num santo pecado

eu perco a cabeça...

18.4.05


cloudy palm reading


na palma da minha mão
tanta coisa havia escrita
arte amor sofrer perdão
em luz azul infinita.

mas tudo isso se foi
escureceu com a memória
no céu nublado essa mão
é já uma mão sem história

na palma da minha mão
coisa bela havia escrita
filho filha paz irmão

e a palavra mais bonita
a palavra coração
também nela estava escrita

mas no meio do tufão
arrancaram-me da mão
a linha da minha dita.

na palma da minha mão
nem uma palavra escrita.

14.4.05

"...português é tentação
de fazer a mestiçagem"

José Fernandes Fafe - in Poesia Amável

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Jacques Comby

gavinhas

entrelaçados dedos

de serpentes

humidade escondida

em grutas odorosas

jogos de paciência

em teclas ósseas

sabor a musgo e flores

nectarinos sucos

caminhas

abrindo sulcos

ensolarando cores

ficam-te para trás

castas de frutos.


13.4.05

futuro?


"She is the earth"

mulher

ligação umbilical à terra-mãe

adivinha a morte por chegar

como não partiu da terra

a ela não terá de voltar

para onde a terra for

vai a mulher também.

semente forte do recomeçar.

12.4.05


in Jacques Combyamantes - merci.


foste.

não lembro como ou quando o decidiste

sequer se foste tu ou eu ou ambos

foste.

silêncio de pedra à minha volta

esqueceste

ou eu esqueci ou ambos?

que o teu suor moldara para sempre

todo o meu corpo calcário

de um desejo infinito

de revolta.

7.4.05



a liberdade invento-a dia a dia
quando nasci não sei, sequer havia.
a cada não a minha fantasia
a fabricava forte e à revelia
das leis do que valia.
a minha liberdade é rebeldia?
não sei, vivo- a ou morreria.

a liberdade é minha: consegui-a.
é minha fé e verdadeiro guia.

6.4.05


Awaiting the Kiss - Photography by Assaf Reznik


cansados e sadios

tão sem pecado

nos deitamos depois

longe da cruz.