22.4.05


entreaberta a porta


a memória sem convite


invade o espaço livre


guardado para os sonhos


ainda por viver.


eu que a julgava morta...



corro a fechá-la à chave


não a volto a abrir


raios partam a porta


e a memória!



quero os sonhos à solta


nesta terra magoada


mas revolta


onde só esperam


tempo para florir.


19.4.05

PIC-NIC





Lovers, Lying- by Oggetti.




um cigarro aceso

o fumo no ar

a mão descaída

presos no olhar

dedos que se tocam

de trémulas mãos

não são inimigos

e não são irmãos


-instintos antigos

correm-nos nas veias

deitado a meu lado

rastejas enleias

que faz o teu rosto

junto dos meus pés?

(suspiro anseio:

sobe de uma vez!)

o corpo que freme

deitado no chão

sinto a tua pele

sinto a tua mão

e paras a boca

no meio de mim

lábios entreabertos

olhos já fechados

entrego-me assim.


ai, esvai-se-me a vida

por onde começa!

num santo pecado

eu perco a cabeça...

18.4.05


cloudy palm reading


na palma da minha mão
tanta coisa havia escrita
arte amor sofrer perdão
em luz azul infinita.

mas tudo isso se foi
escureceu com a memória
no céu nublado essa mão
é já uma mão sem história

na palma da minha mão
coisa bela havia escrita
filho filha paz irmão

e a palavra mais bonita
a palavra coração
também nela estava escrita

mas no meio do tufão
arrancaram-me da mão
a linha da minha dita.

na palma da minha mão
nem uma palavra escrita.

14.4.05

"...português é tentação
de fazer a mestiçagem"

José Fernandes Fafe - in Poesia Amável

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Jacques Comby

gavinhas

entrelaçados dedos

de serpentes

humidade escondida

em grutas odorosas

jogos de paciência

em teclas ósseas

sabor a musgo e flores

nectarinos sucos

caminhas

abrindo sulcos

ensolarando cores

ficam-te para trás

castas de frutos.


13.4.05

futuro?


"She is the earth"

mulher

ligação umbilical à terra-mãe

adivinha a morte por chegar

como não partiu da terra

a ela não terá de voltar

para onde a terra for

vai a mulher também.

semente forte do recomeçar.

12.4.05


in Jacques Combyamantes - merci.


foste.

não lembro como ou quando o decidiste

sequer se foste tu ou eu ou ambos

foste.

silêncio de pedra à minha volta

esqueceste

ou eu esqueci ou ambos?

que o teu suor moldara para sempre

todo o meu corpo calcário

de um desejo infinito

de revolta.

7.4.05



a liberdade invento-a dia a dia
quando nasci não sei, sequer havia.
a cada não a minha fantasia
a fabricava forte e à revelia
das leis do que valia.
a minha liberdade é rebeldia?
não sei, vivo- a ou morreria.

a liberdade é minha: consegui-a.
é minha fé e verdadeiro guia.

6.4.05


Awaiting the Kiss - Photography by Assaf Reznik


cansados e sadios

tão sem pecado

nos deitamos depois

longe da cruz.


5.4.05


emparedada em ti

húmido e musgoso

cetim do meu refresco

mãos de benção de pão

macieza voluntária de voz

nada é urgente agora

a não ser este gozo

este repasto farto

puxo-te com a mão

sorris para mim exposto

e de pé rolamos no colchão.







4.4.05


quero ser o cavalo

cansei de ser galope

e se por vezes calo

é por um vago medo

de te ver subitamente

em mim desaparecer


mas hoje já não espero

hoje digo alto: cansei!


quero ser o cavalo

que vai aonde não sei

onde caio ou resvalo

mas é meu o vento

minha a crina o relincho

o desvairado cio.



hoje atravesso o rio

e abençoo o dia em que nadei!





1.4.05


Michael AustinEntwined

onde esqueci o medo?

num beijo a tua boca

guardou esse segredo.


When Time Stopped by Scratchadelic



escarlate torre

deserto de carne

deserto de amor

o tempo parado

num templo à dor


passado é passado

o que agora falta

é água é flor

é deste encarnado

saltar outra côr.

nada que me fale

nada que me cale

só verde e azul

um rio e um vale

me bastam agora

vem tu com teu riso

traz vinho traz pão

bebamos comamos

rolemos no chão.

o mais que é preciso:

um leito de tule

estendido na hora

e outro de riso

que o rosto já cora!